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Urano, Netuno e Plutão: incorporando os astros invisíveis na arte das luzes

A Astrologia Tradicional é conhecida por ser um estudo hermético em que todos os seus elementos se encaixam de maneira ordenada e perfeita. A majoritária contribuição à tradição desta antiga arte respeitou a tecitura epistemológica pela qual ela foi criada e, ainda que tenha sofrido com as perdas de textos importantes em razão de conflitos e da passagem do tempo, conseguiu se manter coesa dentro de uma diversidade. Assim, na Astrologia Tradicional você se depara com autores helenistas, persas, árabes, medievais-católicos dentre outros e consegue se valer de suas peculiaridades sem ultrapassar os pilares que mantêm o conhecimento em pé. No mundo contemporâneo, com o resgate relativamente recente da tradição astrológica meio à disseminação do que ficou conhecida como astrologia moderna, cabe aos profissionais se dedicarem tanto ao estudo dos textos clássicos quanto à pesquisa que leva ao desenvolvimento deste saber, sem que se destrua as suas bases conceituais. Pensa-se que a Astrologia Tradicional é algo “morto”, parado no tempo, mas essa percepção é preconceituosa e equivocada, uma vez que o termo se refere simplesmente ao resgate e respeito à história. Temos autores nos dias atuais que inovam neste sentido, como Robert Zoller, Gérson Pelafsky, Clélia Romano etc.

Um dos diversos pilares que estruturam a Astrologia está relacionada à visibilidade da luz. Já tratei bastante deste tema em meus textos, mas é necessário retomá-lo para chegarmos aos planetas “invisíveis”. O mundo dos softwares nos faz esquecer de algo primordial: a Astrologia é a arte de ler os céus, e “ler” é uma relação do ser humano com o Cosmo intermediada pela luz. Assim, toda a consolidação das simbologias astrológicas partiu daquilo que o astrólogo é capaz de observar a olhos nus, ou seja, da Lua até  Saturno, além das estrelas fixas. Os pontos matemáticos, como lotes e nodos, nascem também da intersecção dos corpos brilhantes. Partindo disso, o que hoje chamamos “planetas”, na Antiguidade eram chamados de “estrelas errantes”, porque se você observar Vênus no céu, por exemplo, ela se parece com uma estrela, um ponto de luz, mas que se move depressa em relação às estrelas fixas (que são estrelas na denominação científica). É preciso mencionar a importância dos conceitos no entendimento de um saber, porque conceitos não são meros nomes, mas ferramentas do pensamento. Tomando o conceito de “estrela errante” e de “luz”, chegamos em seguida a ideia de “aspecto”. Aspecto é um termo que está intrinsecamente relacionado à luz e a ver, enxergar. Quando um planeta aspecta outro ele está, na verdade, enxergando este outro (logo, aspecto não é simplesmente formação de ângulo ou geometrismo, há uma filosofia por trás). E a Astrologia, vale lembrar, compreende uma relação de espelhamento entre as coisas da Terra e as coisas do céu. Ora, é lógico que Vênus não enxerga Saturno, mas o que está posto aqui é que, por exemplo, eu (Vênus) enxergo meu pai (Saturno), portanto me relaciono com ele positiva ou negativamente a depender da qualidade do aspecto. É por isso que os planetas invisíveis, cuja relação com o ser humano é intermediada por um telescópio, não podem ser classificados como “estrelas errantes” e não são capazes de formar aspecto, de enxergarem e serem vistos, mas poderiam, talvez, formar uma conjunção, que é uma união de corpos. Esta é minha primeira hipótese.

Urano, Netuno e Plutão foram descobertos na Modernidade, uma época em que os princípios básicos da Astrologia estavam esquecidos ou ignorados. Então a incorporação destes astros se deu sem rigor e gerou uma série de distorções que vão além de sua mera presença no mapa, mas envolve até um mal entendimento dos signos, porque passaram a pensá-los nos mesmos termos que os astros tradicionais, e acreditaram que eles deveriam ter uma regência, mesmo que isso quebrasse a lógica pela qual os planetas foram atribuídos aos signos (que está longe de ser uma mera descrição psicológica, e tem muito a ver com a observação do movimento aparente do Sol pela eclíptica e as qualidades primordiais da natureza). Contudo, meus estudos em Astrologia Mundana têm mostrado que estes planetas podem ser bem importantes quando conjuntos a pelo menos 1º do Sol e Lua e das “estrelas errantes” até de ângulos. Enquanto em natividades eles parecem mais dispensáveis, ajudando no máximo a confirmar algo já apontado por outras configurações, em mapas de eventos eles apresentam um ingrediente diferencial, fazendo sentido chamá-los de geracionais ou sociais. Certa vez, meu colega astrólogo Iago Pereira disse que estes astros “escuros” precisariam do intermédio dos astros brilhantes para se manifestarem em nossa realidade. Essa constatação fez muito sentido para mim, e tenho pensado bastante a partir dela, pois afinal de contas, ainda que ocultos, estes astros compõem semelhanças com os tradicionais em suas órbitas ao redor do Sol.

Por isso, proponho incorporarmos Urano, Netuno e Plutão num entendimento diferenciado das “estrelas errantes”, ainda que tenhamos o hábito de chamá-los todos de planetas por conta da influência astronômica. Ou ainda, continuamos a tratar os geracionais como planetas, e voltamos a falar de Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno como estrelas errantes, além dos luminares Sol e Lua. Isso facilitaria muito o processo de aprendizado, estudo e pesquisa.

Guilherme de Carli