A relação que os planetas estabelecem com o Sol é um dos principais fatores que definem as dignidades e debilidades acidentais do mapa. O Sol é um astro que pode agir tanto de forma benéfica quanto maléfica, porque ele é o doador de luz e calor, elementos fundamentais à vida, desde que dosados corretamente!
Em resumo, um planeta a menos de 15º (esse valor pode variar) do Sol está sob seus raios (logo invisível ao observador da Terra), uma debilidade acidental considerada fraca. Se estiver a menos de 8,5º e no mesmo signo que o Sol, o astro é dito combusto, uma debilidade considerada forte, especialmente se o astro em questão estiver sem dignidades essenciais relevantes. Mas, quando o astro se alinha ao Sol, ele é dito Cazimi, ficando “no trono do Rei” e, consequentemente, ganhando força e poder além do normal.
A grande polêmica é que existem três teorias levemente distintas entre si que disputam os critérios usados para definir se um planeta está mesmo Cazimi ou não, e é isso que vou apresentar a vocês neste artigo, ao final mostrando como eu abordo essa questão, além de introduzir uma nova ideia: a de cazimi parcial.
1º Comecemos pela definição mais popular, usada pelo astrólogo renascentista William Lilly e outros, como John Frawley:
“(…) quando um planeta está a dezesseis minutos do Sol, diz-se que está em cazimi, ou no calor do Sol, e nesse caso é uma fortuna adicional, e está maravilhosamente forte.” – Lilly, W, Astrologia Cristã
O autor define o cazimi como a distância de 16′ do posicionamento do astro em relação ao do Sol. Minuto, vale dizer, não está sendo usado aqui como unidade de tempo, mas como subdivisão do grau (cada grau tem 60 minutos).
A posição que a qual o autor se refere é de caráter longitudinal, ou seja, diz respeito àqueles graus que conseguimos visualizar facilmente no gráfico do mapa astrológico (quando alguém diz que tem a Vênus a 20º de Gêmeos, por exemplo, no fundo ela está dizendo que a posição longitudinal da Vênus em sua natividade é 20º de Gêmeos).
Aqui entramos no primeiro problema, o que nos leva à segunda abordagem.
2º Dentre as três abordagens, a mais rigorosa pertence ao astrólogo medieval Guido Bonatti. Para o autor, não basta o astro estar a 16′ de distância longitudinal do Sol, é também necessário que ele esteja a 16′, no máximo, da latitude solar. Essa concepção torna o evento ainda mais raro, dado que todo ano o Sol passa (ou é passado) pelos demais astros, ficando eventualmente alinhado a 16′ de longitude de cada um deles, mas poucas vezes tal alinhamento ocorre por latitude.
Bonatti, até onde sei, é o único autor a emplacar essa regra. Ele próprio cita que vai na contramão dos seus colegas:
“Na verdade, estou de acordo com eles, mas não pura e simplesmente. Porque se um planeta está distante do Sol menos de 16′ de longitude, e de acordo com a latitude está distantes mais de 16′, ainda assim ele é queimado (…).” – Bonatti, G.
3º Chegamos finalmente a terceira e última abordagem dos autores clássicos. Essa é a mais antiga de todas, tendo se originado no período helenístico e também usado na astrologia medieval. Antes de conhecê-la, precisamos compreender um ponto importante: a matemática e a astronomia são inerente à astrologia, mas o papel que elas passaram a desempenhar nessa arte oracular foi se modificando ao longo dos séculos. Na medida em que os povos foram se tornando matematizados, a importância que se deu para a matemática acabou, em alguns pontos, se sobrepujando à própria simbologia astrológica. Na pior das situações, acabou gerando algumas distorções conceituais, como aquela que vemos nos aspectos, por exemplo, quando se afirma que um planeta no final de Touro forma um trígono com outro no começo de Aquário somente porque estão próximos de 120º, ocorre um afastamento do sentido original dos aspectos.
Sobre planetas Cazimi, para autores como Rhetorius, o Egípcio, um planeta está no coração do Sol quando está simplesmente a uma distância de 1º do astro-Rei.
“E as estrelas [planetas] que estão no coração do Sol são aquelas ditas conjuntas exatamente ao Sol, seja no mesmo grau ou no grau adjacente [desde que a distância seja de 1º].” – Rhetorius, Astrologicum Compendium
Podemos encontrar situação semelhante no Cetilóquio de Hermes:
“Os planetas sob os raios do Sol ou a uma distância de 12 graus dele são desafortunados, a não ser que estejam no mesmo grau com ele.”
E, séculos depois, nas palavras do astrólogo Sahl:
“E se [o planeta] estiver no coração [do Sol] é considerado forte (quero dizer um grau de distância).” – Sahl bin Bishr
Tendo elencado todos esse pontos, apresento a vocês, agora, a minha perspectiva pessoal. Eu faço uma união das abordagens de Bonatti e de Rhetorius/Sahl: do primeiro, coloco o critério da latitude como essencial para julgar se um astro está mesmo alinhado ao Sol, porém com até 1º de diferença e não apenas 16′; dos demais, dou a distância de 1º, mas de uma forma um pouco mais rigorosa: não basta ter no máximo 1º de distância longitudinal como também é preciso estar no mesmo grau que o Sol (ou seja, se o Sol estiver a 14º02 e Mercúrio a 13º50, mesmo que haja 1º de distância, por estarem em graus diferentes não considero Mercúrio “no coração”).
Essa não foi a minha abordagem inicial: fui modificando-a de acordo com minha experiência (em atendimento e pesquisa) sobre esse tipo de configuração. Também gostaria de mencionar uma experiência pessoal e abrir uma exceção para minha regra de não usar o próprio mapa natal para dar explicações de cunho teórico na astrologia, porque senão a gente ouve coisas como “ai, Saturno não é maléfico porque no meu mapa blábláblá.” Mas vou me dar ao direito a uma licença poética porque o exemplo que tenho é bem objetivo e claro. Eu nasci com a Vênus cazimi, mas só se você desconsiderar a abordagem de Bonatti e assumir aquela que defendo nesse texto, do contrário ela estaria fortemente combusta. A Vênus é regente do meu Ascendente, logo ela me representa no contexto do meu mapa, e o Sol é regente da minha casa 11, local dos amigos: e uma coisa que eu digo há muito tempo, mesmo antes de conhecer a astrologia, é que a área que eu sou mais bem sucedido na vida é a das amizades. Desde criança, tenho muitos amigos de verdade que estão comigo até hoje. Eles foram fundamentais para um período extremamente crítico que sofri por muitos anos. Eu posso dizer que, sem eles, eu não estaria aqui escrevendo esse texto. Mesmo depois de ter morado na França por três anos, quando voltei ao Brasil parecia que nunca tínhamos deixado de nos ver. Tal bênção não poderia ser identificada de nenhuma outra forma no meu mapa: não tenho nenhum planeta na casa 11, nem o Lote da Fortuna ou do Espírito, e Júpiter, um significador essencial de amigos verdadeiros, está peregrino na 2. A única forma de compreender essa força e vivacidade das amizades no meu mapa seria através do Cazimi da minha Vênus, que está a 29′ de distância por longitude e 52′ de latitude do Sol (ambos dentro da margem de 1º completo).
Para além disso, eu me encaixo num aforismo de Lilly que diz “Júpiter ou Vênus cazimi manifestam uma alma capaz de profecia e adivinhação.” E, bem, eu trabalho com oráculo desde os 11 anos de idade.
Também tive alguma situações interessantes com autoridades (Sol): quando eu tinha 8 anos convidei o prefeito da minha cidade para meu aniversário e, mesmo não tendo nenhuma relação com minha família, ele foi (rs eu rio disso até hoje) e me deu dinheiro de presente. O dono da escola onde eu estudei não deixou eu ser desmatriculado pela diretoria mesmo depois que minhas notas caíram por conta dos problemas que tive em casa (tenho Marte na 4) e meu rendimento não seria mais capaz de manter minha bolsa. Minha orientadora me ofereceu para morar na casa dela quando fiquei sem dinheiro na faculdade. E tantos outros exemplos que poderia dar.
Enfim, tive testemunhos suficientes para confirmar essa teoria, mas minhas observações não acabam por aqui. Embora a latitude seja importante, tenho notado que, se o planeta está conjunto apenas por longitude, ocorre uma espécie de cazimi parcial, no qual a elevação do planeta se dá a custo de sofrimento, numa mistura de infortúnio com sucesso como quem passa por uma purificação especialmente dolorosa, e o mapa da Oprah Winfrey é um ótimo exemplo.
Oprah Winfrey nasceu com a Vênus, poderíamos dizer, parcialmente cazimi na 3: está alinhada por longitude do Sol, mas numa distância um pouco maior que 1º de latitude (esse dados vemos pelas tabelas adicionais dos softwares). A Vênus rege o MC na 11 e a casa 6, enquanto o Sol rege a 9 (a Casa de Deus). Quando criança, Oprah foi chamada na igreja de “A pregadora” por sua habilidade de recitar versos da Bíblia. Além disso, tornou-se uma das comunicadores mais icônicas dos EUA e foi considerada uma das mulheres mais poderosas do mundo. Porém, até alcançar esse posto sua vida não foi nada fácil: primeiro por ter sido criada longe dos pais e fisicamente violentada pela avó, que a obrigava a cantar e a decorar corretamente os textos bíblicos para declamá-los nos cultos (a combustão enquanto marcas da educação religiosa) e, em segundo lugar, por ter sofrido frequentemente com abusos sexuais de seu tio e primos (parentes são vistos na casa 3). É claro que, quanto a esse segundo ponto, Saturno, sendo o regente da 3 na 12 em quadratura com Vênus e Sol reforça o testemunho. E advinha quem a acolheu quando ela decidiu fugir de casa? Uma amiga (Vênus, regente da 11).
A casa 6 diz respeito aos animais domésticos. Oprah teve mais de 20 cachorros até o momento, muitos vindos de maus tratos (combustão) e levados a uma vida de rei. Alguns foram perdidos pelo caminho, um deles por sufocamento. Ao mesmo tempo, emprestou seu nome para instituições de resgate de animais abandonados ou que sofriam com crueldade.
Oprah também sempre foi atormenta por religiosos, que tentam destruir sua imagem pública (Sol, regente da 9, queimando Vênus, regente do MC), mas ao mesmo tempo Oprah é vista por muitos como uma espécie de líder espiritual, e ela própria nunca deixou de exercer sua fé.
Toda essa ambiguidade me faz entender esse cazimi parcial como alguém que está no trono do Rei, mas com os pés na brasa. É um posicionamento muito propício ao sucesso, mas não deixa o nativo imune a experiências de opressão, típicas da combustão.
Guilherme de Carli